Artigo na KÉRAMICA nº 357

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APLICAÇÕES DO TIJOLO CERÂMICO EM PAREDES DE EDIFÍCIOS

 

- por Graça Vasconcelos, Isise, Departamento
de Engenharia Civil, Universidade
do Minho

 

Os tijolos cerâmicos podem ser classificados de acordo com as suas características (NP EN 771-1) [1] e de acordo com a sua aplicação nas paredes, nomeadamente: (a) em paredes estruturais, com função resistente; (b) em paredes de enchimento, sem função resistente; (c) em paredes de tijolo face à vista, cujo objetivo é constituirem o acabamento final da parede.

Apesar de Portugal ser um país onde existe uma percentagem considerável de edifícios em pedra (património monumental e arquitetura vernácula), o parque construído tem sido dominado, principalmente desde meados do Séc. XX, por soluções estruturais em betão armado. Esta solução construtiva levou a alterações na função das paredes e nos materiais utilizados na sua construção. A pedra foi substituída progressivamente por tijolo cerâmico [2] (Figura 1). Na estrutura de betão constituída por pilares, vigas e lajes de betão armado, as paredes (divisórias e vedação/enchimento) não têm função estrutural. A solução típica dos anos 60 é uma solução de parede dupla, onde a parede exterior apresenta maior espessura do que a parede interior, os panos de parede não possuem qualquer tipo de ligação, e a cavidade entre as paredes não apresenta nenhum material de enchimento. As unidades de alvenaria utilizadas são predominantemente de furação horizontal e a argamassa era produzida a traço em obra. Nos anos 70 assistiu-se a uma redução da espessura do pano exterior, que voltou a aumentar nos anos 80, para fazer face aos requisitos térmicos. Para além disso, a cavidade entre os panos de parede passou a ser preenchida com isolamento térmico. A partir dos anos 90, a solução de parede dupla foi dando lugar a parede de pano simples, utilizando-se tijolos cerâmicos de maior espessura e aplicando-se o isolamento térmico pelo exterior. A evolução está muito associada ao tipo de unidades de alvenaria empregues na construção e nos métodos de isolamento para melhorar o comportamento térmico dos edifícios.

 

Figura 1 – Evolução de paredes de alvenaria em Portugal [2]

 

As paredes de vedação em alvenaria de tijolo continuam a ser uma solução atual, porque se considera esta solução como vantajosa em relação a outras soluções construtivas. Para além de permitir uma grande liberdade arquitectónica, é capaz de cumprir um conjunto de requisitos quando bem utilizada, como por exemplo a estanqueidade, o conforto acústico, o conforto térmico, a segurança contra incêndios, para além de garantirem uma boa qualidade do ar interior. O mesmo se passa em outros países europeus do sul da europa. Na Grécia ainda existe bastante tradição na construção de paredes de enchimento de pano duplo, introduzidas principalmente a partir dos anos 70, com tijolos de furação horizontal que apresentam várias espessuras. Esta tipologia é utilizada em toda a Grécia, à exceção da regiões de Magnesia e Volos onde as paredes de pano simples predominam na construção de paredes de enchimento (Figura 2a). Em geral as paredes estão em contacto com os pórticos de betão armado através do preenchimento de juntas de argamassa entre a paredes e os elementos de betão armado e podem utilizar-se elementos de reforço em betão armado a meia altura das paredes, principalmente em regiões com elevada sismicidade. Em Itália, depois dos anos 60, os tijolos maciços começaram a ser substituídos por tijolos cerâmicos de furação vertical na construção de paredes de pano simples ou de pano duplo, sendo os tijolos de furação horizontal mais utilizados nas paredes interiores (Figura 2b). Na Alemanha, as paredes de pano simples predominam, mas utilizam-se também as paredes duplas. As unidades de alvenaria utilizadas são maioritariamente tijolos cerâmicos de furação vertical (Figura 2c). A utilização de ligadores metálicos entre panos de parede dupla é frequente em países como Itália e Alemanha e em alguns casos utilizam-se também ligadores entre as paredes de enchimento e os elementos de betão armado. A utilização de paredes de pano duplo é também muito comum na Turquia, predominando os tijolos cerâmicos de furação horizontal, sendo também utilizados os blocos de betão leve (Figura 2d).

…a estanqueidade, o conforto acústico, o conforto térmico, a segurança contra incêndios, para além de garantirem uma boa qualidade do ar interior.

Figura 2 – Exemplos de unidades utilizadas em paredes
de enchimento em diferentes países da europa;
(a) Itália,(b) Roménia e Alemanha,(c) Grécia,(d) Turquia.

 

Em Portugal, nos últimos anos têm-se assistido a uma utilização crescente de tijolos cerâmicos de furação vertical com uma configuração geométrica interna que visa o melhoramento do desempenho térmico dos edifícios e a redução da necessidade de materiais adicionais de isolamento (Figura 3a). A eficiência energética dos edifícios e a poupança de energia são aspetos a ter em consideração no dimensionamento dos tijolos cerâmicos. Note-se que os edifícios são responsáveis por uma grande parte do consumo de energia, representando quase um terço dos gastos de energia totais [3]. No caso dos tijolos cerâmicos a ser aplicados na envolvente dos edifícios, é fundamental que estes apresentem características que melhorem a eficiência energética dos edifícios através da redução da condutibilidade térmica, resultando em perdas de calor menores. Esta tendência acompanha em certa medida e evolução de outros países europeus (Espanha, Itália, Grécia). Na Figura 3 apresentam-se algumas soluções comerciais já existentes ou desenvolvidas no âmbito de um projeto de investigação recente financiado pela comissão europeia (INYSME – Sistemas inovadores para envolventes de edifícios de betão armado resistentes aos sismos), cujo objetivo consistiu em desenvolver soluções de paredes de alvenaria de enchimento com desempenho melhorado à ação dos sismos. Apesar de as paredes de alvenaria não terem função estrutural, é necessário ter em conta a vulnerabilidade sísmica que tem sido evidenciada em sismos recentes. Todas as soluções desenvolvidas utilizam tijolos de furação vertical adaptados aos requisitos térmicos de cada país. Os tijolos cerâmicos utilizados em Portugal (Figura 3a) foram do grupo 2 de acordo a classificação do EC6 (1996) [3] com as dimensões de 294mm x140mm x 187mm (comprimento x espessura x altura), enquanto que os tijolos cerâmicos utilizados em Itália apresentam as dimensões de 250mm x 300mm x 190mm pertencentes aos grupo 3 (Figura 3b) e grupo 2 (Figura 3c).

 

Figura 3 – Soluções de tijolos cerâmicos de furação
vertical para paredes de enchimento;
(a) Portugal; (b) e (c) Itália; (d) Grécia.

 

O comportamento de paredes de enchimento sujeitas à ação sísmica depende muito das condições de ligação desta ao pórtico envolvente, mas também depende da robustez dos tijolos cerâmicos, considerando-se que a resistência à compressão e robustez dos tijolos de furação vertical é consideravelmente superior à dos tijolos com furação horizontal. Estas propriedades são particularmente importantes no caso dos painéis de parede de enchimento estarem ligados monoliticamente aos pórticos de betão armado e nos quais se desenvolvem esforços de compressão ao longo das diagonais comprimidas, que resultam da transmissão dos esforços dos pórticos de betão às paredes devido à atuação de forças horizontais. Um outro aspeto importante no comportamento das paredes de enchimento à ação sísmica consiste na espessura, uma vez que maiores espessuras estão associadas a paredes de alvenaria com uma maior resistência a ações na direção perpendicular ao plano das paredes. A maior resistência resulta no desenvolvimento do efeito de arco, que consiste numa configuração de equilíbrio da parede após a fendilhação vertical ou horizontal ou em ambas e onde a resistência à compressão da alvenaria de enchimento é mobilizada. Este efeito é tanto mais importante quanto maior for a espessura da parede, sendo necessário que a parede apresente também uma resistência à compressão apropriada (direção perpendicular e paralela às juntas de argamassa).

O tijolo cerâmico de furação vertical tem características de resistência que permitem que seja utilizado com funções estruturais, nomeadamente em países como Alemanha e Itália, onde a alvenaria estrutural é frequentemente utilizada em edifícios de pequeno e médio porte com ou sem reforço, dependendo da zona sísmica. Como se referiu anteriormente, à exceção da construção tradicional em pedra, em Portugal, a alvenaria estrutural é muito reduzida, o que resulta da forte tradição em construir em betão armado e da limitação do uso da alvenaria estrutural em zonas sísmicas (EC8, 2004) [4]. No âmbito de um projeto de investigação nacional que resultou do interesse de várias empresas cerâmicas, o Centro Tecnológico da Cerâmica e Vidro, juntamente com a Universidade do Minho e com a Faculdade de Engenharia Civil da Universidade do Porto, desenvolveram um tijolo cerâmico (cBloco), cuja geometria e materiais constituintes foram estudados para otimizar o comportamento mecânico, térmico e acústico com vista a poder ser utilizado em alvenaria estrutural. Foram estudadas diferentes configurações para os alvéolos internos, tendo-se selecionado a forma de grão de arroz, losângulo e retangular (Figura 4a). Verificou-se que o coeficiente de condutibilidade térmica entre a solução com alvéolos em forma de losângulo (0.57W/m2.K) e em forma de grão de arroz (0.56W/m2.K ) são muito semelhantes e inferiores ao tijolo com alvéolos retangulares (0.60W/m2.K). Com o objetivo de reduzir o peso (aumento da porosidade) e melhorar o comportamento térmico foram adicionados resíduos orgânicos à pasta de argila, tais como serrim, resíduo de cortiça e lama da indústria do papel, verificando-se uma redução de peso e da condutibilidade térmica com o aumento dos resíduos [5].

 

Figura 4 – Desenvolvimento do tijolo cerâmico estrutural Bloco;
(a) variação da configuração interna;
(b) assentamento dos tijolos cerâmicos.

 

O tijolo cerâmico desenvolvido produzido ilustra-se na Figura 4b, tendo como dimensões 300mm de largura, 300 mm de comprimento e 200 mm de altura. A espessura das septos exteriores e interiores é de 8mm e 5mm respetivamente. O tijolo cerâmico apresenta uma percentagem de furação inferior a 55%, pertencendo ao grupo 2 [5]. Para assentamento dos tijolos propôs-se duas soluções possíveis: junta horizontal contínua e junta horizontal descontínua (Figura 4b). Em termos de propriedades mecânicas, a qualidade do tijolo cerâmico é baseada principalmente na resistência à compressão na direção paralela e na direção perpendicular à juntas de argamassa. De acordo com os requisitos da normalização europeia (EC8, 2004) [4], a resistência mínima à compressão de um bloco para uso estrutural é de 5.0N/mm2 e 2.0N/mm2 na direção paralela e perpendicular à junta de argamassa. Adicionalmente, é necessário que o tijolo seja robusto, o que se traduz numa maior capacidade para absorver deformações e apresentar uma fendilhação controlada. Esta propriedade é particularmente relevante quando as paredes são sujeitas à ação sísmica.

Considera-se que este bloco representou uma evolução considerável relativamente às soluções mais frequentes de tijolo de furação horizontal. Estudos experimentais com vista à caracterização do bloco a esforços de compressão demonstraram que o bloco apresenta uma resistência à compressão normalizada de 13.9MPa e 10.5MPa, no caso de tijolo ser assente numa junta de argamassa continua ou descontínua, respetivamente. A resistência à compressão da alvenaria construída com argamassa da classe M10, sujeita a forças de compressão uniaxial foi de 5.26MPa e de 3.7MPa no caso dos tijolos serem assentes em juntas de argamassa horizontal contínua ou descontínua, respetivamente. Ensaios experimentais realizados em paredes de alvenaria construídas com os tijolos cerâmicos cBloco, sujeitas a ações horizontais para simulação da ação sísmica, demonstraram também a sua adequação para este tipo de esforços [5].

Geralmente as paredes de alvenaria de tijolo cerâmico são rebocadas por argamassa com o objetivo de dar um acabamento final e promover um comportamento estanque das paredes à entrada de água. Um dos principais problemas desta solução consiste na exigência de manutenção periódica, devido às patologias apresentadas, como fissuração. A fissuração resulta frequentemente da incompatibilidade da argamassa de revestimento ao suporte em termos de resistência, rigidez e coeficiente de dilatação térmica. As paredes de tijolo face à vista, construídas particularmente a partir da década de 80, permite um acabamento final sem a necessidade de acrescentar revestimento final. Soluções de tijolo face à vista são também utilizadas em outros países do sul da europa como Espanha e Itália. Esta solução construtiva apresenta-se como muito vantajosa relativamente às soluções tradicionais de revestimento em argamassa, principalmente devido à sua durabilidade e por isso com custos de manutenção muito mais reduzidos ou quase inexistentes. Os tijolos cerâmicos utilizados nestas paredes podem ser maciços, mas apresentam mais frequentemente furação vertical (Figura 5a). As dimensões dos tijolos de furação vertical são de 237mm de comprimento, 115mm de espessura e 70mm de altura.

 

Figura 5 – Solução de parede de tijolo face à vista;
(a) tipo de tijolos cerâmicos;
(b) solução construtiva.

 

Um dos dos aspectos fundamentais na estabilidade das paredes de tijolo face à vista, principalmente no que respeita a ações perpendiculares ao plano da parede, consiste no sistema de ligação è estrutura [6]. Ao contrário de outros países como América do Norte, Europa (Alemanha, Reino Unido e França) e Austrália, onde as estruturas de suporte são estruturas de madeira, metálicas ou paredes de betão, as paredes de tijolo face à vista surgem em Portugal maioritariamente em edifícios de betão armado com paredes de alvenaria de enchimento. Deste modo, o sistema de suporte caracteriza-se pelas paredes de enchimento inseridas em pórticos de betão armado e pelos próprios elementos de betão armado (Figura 5b). Geralmente recomenda-se a colocação de 5 ligadores/m2. Estes elementos de ligação apresentam três principais funções: (1) promover ligação entre a parede de tijolo face à vista e a estrutura de suporte; (2) transferir as cargas laterais atuantes na parede exterior ao sistema de suporte e (3) permitir movimentos no plano para acomodar e/ou restringir movimentos diferenciais. Para o bom funcionamento do sistema os ligadores devem: (1) ser firmemente ligados a ambos os panos de alvenaria; (2) ter uma rigidez suficiente para transferir cargas laterais com deformações mínimas; (3) ter uma adequada resistência mecânica; (4) ser resistente à corrosão e (5) ser facilmente instalados para reduzir erros de montagem e mau desempenho do sistema.

 

Referências:
[1] NP EN 771-:2006, Especificação para unidades de alvenaria. Parte 11. Tijolos cerâmicos, IPQ, Lisboa, 2006.
[2] Dias, A.B., Sousa, A.V.S. Manual de Alvenaria de Tijolo, Associação Portuguesa de Indústria Cerâmica, 2ª Edição, 2009. ISBN. 9789729947858.
[3] EN 1996-1-1, in Eurocode 6 – Design of masonry structures – Part 1-1: General rules for reinforced and unreinforced masonry structures, Brussels. 1996.
[4] EN 1998-1 – Eurocode 8: Design of structures for earthquake resistance – Part 1: General Rules, Seismic Actions and Rules for Buildings, European Standard. CEN. Brussels, 2004.
[5] Lourenço, P.B., Vasconcelos, G., Medeiros, P., Gouveia, J. Vertically perforated clay brick masonry for loadbearing and non-loadbearing masonry walls, Construction and Building Materials, 24 (11), 2317-2330, 2010.
[6] Martins, A. Seismic Behaviour of Masonry Veneer Walls, Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, 2018.

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